segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Do texto

Já faz muito tempo, venho me lembrando eventualmente de um texto que vi ainda em meu ensino fundamental, em um de meus livros de português. Não me lembrava exatamente o nome, tão pouco me lembrava com perfeição do texto, só me lembrava que me chamou muita atenção pelo seguinte fato: o texto inteiro é constituído por substântivos. Sem verbos, adjetivos... E ainda assim descreve a rotina de um determinado cidadão, fumante, por sinal, com uma riqueza de detalhes que uma crônica rechada possívelmente não seria capaz de descrever.
Pesquisei, pesquisei, e por fim encontrei. (Salve google!)

Circuito fechado
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma,
creme de barbear, pincel, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha.Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícaras e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, blocos de notas, espátula, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projeto de filmes, xícaras, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapos, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dente, pasta, água. Mesa, poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, copos, pratos, talheres, guardanapos. Xícara, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.

RAMOS, Ricardo, In: NETO, Antônio Gil. A produção de textos na escola. São Paulo: Loyola, 1993, p.82.

Encontrei, no mesmo site, outro texto também interessantíssimo. E também mais cômico:

Vidinha Redonda

Kátia da Costa Aguiar

Esperma, óvulo, embrião, parto. Bebê, choro, sobressalto, cocô, xixi, fralda, leite, colo, sono. Doença, vômito, pavor, pediatra, remédio, preço. Murmúrio, passos, fala. Escola, lancheira, material, professora. Curiosidade, descoberta. Crescimento, desenvolvimento, pêlos pubianos, seios, curvas, menstruação, modess, cólica, atroveran, adolescência. Primeiro beijo, paixão, shopping center. Batom, esmalte, rinsagem, depilação. namorado, pressão, intimidade, culpa. Festa, pai, ciúme, relógio, motel, desculpa, dissimulação. Faculdade, trabalho, consciência, cansaço, sossego, idade. Noivado, loja, fogão, geladeira, cama, mesa, banho, aliança, chá-de-panela. Cartório, igreja, núpcias. Sexo, trabalho, sexo, trabalho, sexo, esperma, óvulo, licença, parto.


Ambos encontram-se disponíveis em: http://www.pucrs.br/gpt/substantivos.php Último acesso: 27/10/2008.

Então parei por alguns instantes para analisar, o que é um texto?
Até mesmo o barulho de meu ventilador agora é um texto, aliás, a simples imagem dele, com suas hélices em moovimento rotacional constante é um texto. Mensagem? Calor pra um leitor, a necessidade humana da adaptação frente às condições adversas ambientais para promoção do auto-conforto para outro leitor. Quem é que vai saber? Certamente não o autor. Não. O autor, quando tem sorte, é o último a entender seu texto. A maioria jamais entende verdadeiramente o que quis dizer.

Ainda em minha pesquisa, encontrei algo que fortalece a minha idéia:

Você sabe qual o conceito?

Alfredina Nery
Especial para a Página 3 Pedagogia e Comunicação
Você provavelmente está acostumado a ver a palavra texto. Mas sabe qual o seu conceito?
[...]
Texto é, então, uma seqüência verbal (palavras), oral ou escrita, que forma um todo que tem sentido para um determinado grupo de pessoas em uma determinada situação.

O texto pode ter uma extensão variável: uma palavra, uma frase ou um conjunto maior de enunciados, mas ele obrigatoriamente necessita de um contexto significativo para existir.

No site: http://educacao.uol.com.br/portugues/ult1639u10.jhtm

E para finalizar o racicínio, lembrei-me de um comentário de meu professor de português do ensino médio: Quem dá o sentido ao texto é o leitor.

Ou seja, o texto está aí. A grande questão é: quanto pudemos entender?

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Do que ando produzindo

NÃO É ROMÂNTICO, NEM POÉTICO, MAS É O QUE ANDO PRODUZINDO TEXTUALMENTE. SEI QUE ESTÁ FORA DO CONTEXTO DO BLOG, MAS É O QUE ESTOU FAZENDO, FAZER O QUE? REPAREM QUE NÃO É UMA SELEÇÃO DE COPIAR+COLAR DA INTERNET. ESSE TEXTO FOI REDIGIDO A PUNHO, OU MELHOR, A DEDOS E TECLADO... EI-LO:

LINFOPROLIFERAÇÃO IN VITRO COM TIMIDINA TRITIADA

O QUE É?
É um teste imunológico que observa a proliferação dos linfócitos quando estão in vitro em meio de cultura apropriado frente ao estímulo de antígenos específicos.

PARA QUE SERVE?
O teste detecta a atividade de resposta linfocitária quando exposta a infecção, tendo por base o conhecimento de que os linfócitos, quando reconhecem um antígeno, tendem multiplicar-se, sofrendo expansão clonal e produzir anticorpos (linfócitos B) e citocinas (linfócitos T).

QUANDO PODE SER UTILIZADO?
Atualmente sua utilização é bastante restrita, sendo principalmente feito em estudos científicos para se medir a intensidade da resposta imune linfocitária à antígenos, geralmente bacterianos. Porém, pode ser amplamente utilizado comercialmente em casos de infecção recorrente, pacientes imunodebilitados ou infecções graves. Salvo a relação custo-benefício (tanto para a saúde do paciente, quanto de viabilidade econômica).

COMO FUNCIONA?
Obtém-se os linfócitos do paciente a partir da coleta de sangue periférico dele. Os antígenos que irão sensibilizar esses linfócitos podem ser obtidos a partir de uma cultura microbiológica do próprio paciente ou outras fontes (laboratórios de pesquisa por exemplo). Os linfócitos são cultivados em meio de cultura específico, rico em aminoácidos, vitaminas e outros componentes. Depois de um período de incubação são marcados por uma substância radioativa, a timidina tritiada, para então serem lidos.

O QUE É ANALISADO?
A análise se dá a partir da comparação entre a contagem dos linfócitos sensibilizados por antígeno e a amostra controle dos não sensibilizados. Os linfócitos são contados de acordo com o número de células marcadas pela timidina tritiada.
Além das próprias células, seus produtos também podem ser dosados. Os anticorpos geralmente são quantificados a partir de ensaio imunológico ELISA e as citocinas geralmente por citometria de fluxo.

QUAL É A TÉCNICA?
Inicialmente, uma amostra de sangue periférico do paciente é coletada com tubo heparinizado e centrifugados com ficoll-hystopaque a 25ºC para que, por densidade, separa as células a serem estudadas. Estas então são lavadas com salina e cultivadas em meio RPMI 1640, tomando-se cuidado extremo para evitar contaminação externa (pode-se usar antibióticos, desde que esses não afetem o antígeno que será utilizado).
O antígeno, geralmente bacteriano pode ser obtido do próprio paciente, através de cultura microbiológica de material de uma infecção dele mesmo ou de amostras de controle. Essas amostras geralmente são diluídas para que se obtenha uma proporção equivalente antígeno-linfócito.
Após um breve período de incubação as culturas dos linfócitos são separadas, ficando uma sem sensibilização por antígeno (para servir de controle) e a outra (ou outras, dependendo da quantidade de antígenos testados) submetidos ao antígeno, que pode ser derivada da bactéria completa, ou somente proteínas específicas a serem reconhecidas.
A partir de então, um novo período de incubação é realizado, levando-se em conta uma média entre as necessidades metabólicas bacterianas e linfocitárias para determinação das condições de incubação (temperatura, concentração de O2 e CO2, produtos no meio, tempo, e outras).
Então, as células são pulsadas com 1Ci/poço de 3H-timidina tritiada durante 6 horas para que a radiação seja incorporada às células. Depois são coletadas por papel filtro e depositadas em placa para adição de líquido de cintilação para serem contadas.
Os resultados são expressos em contagem por minuto e o cálculo é feito dividindo-se o valor das células sensibilizadas por antígeno pelas não sensibilizadas.
O sobrenadante não será contado junto com as células, mas pode ser analisado quanto à presença de anticorpos por método tradicional de ELISA ou quanto à presença de citocinas por técnica de citometria de fluxo ou de ELISA. Podendo ainda serem quantificados dentro das limitações das técnicas empregadas.

O QUE SE RETIRA DO RESULTADO?
A verificação da atividade linfocitária, se existente e em qual proporção, bem como a dos produtos dos linfócitos.
A partir dessa informação pode ser determinada a condição à que o paciente deverá ser mantido em relação ao tratamento e ao próprio ambiente a que ele está submetido.

RESUMINDO...
Trata-se de um teste onde são cultivados linfócitos, com e sem a presença de antígeno, para que se dose a atividade dessas células. Atividade essa que será medida a partir da interação entre essas células e o isótopo radioativo timidina-tritiada.
Tudo isso para determinar a eficácia da resposta imune frente a infecção pelo antígeno testado.

PORÉM...
Este é um teste extremamente sensível e deve ser feito com muito cuidado, pois está suceptível a muitos erros comuns, como contaminação do meio de cultura e do ambiente de incubação, falta de suprimentos essenciais a proliferação celular e bacteriana, desequilíbrio das proporções de concentração entre linfócitos-antígenos-nutrientes, e muitos outros interferentes.

APLICAÇÃO PRÁTICA
A maioria dos indivíduos infectados por Candida sp cura com terapia antifúngica. Por outro lado, episódios repetidos de infecção por Candida albicans são observados na candidíase recorrente que é caracterizada pela ocorrência de, no mínimo, quatro episódios de vaginites no período de um ano.
Estudos controversos têm sido reportados sobre a imunopatogênese da candidíase vaginal recorrente tendo algumas observações mostrado uma baixa resposta linfoproliferativa e ausência de reatividade do teste cutâneo com antígeno de Candida, detectado a existência de uma resposta do tipo 1 nesses pacientes. O principal objetivo do teste nesse caso é avaliar a resposta linfoproliferativa e a produção de IFN-g em pacientes com candidíase vaginal, e candidíase cutânea e mucosa recorrentes.

REFERÊNCIAS:
ABBAS, Abul K.; LICHTMAN, Andrew H.; PILLAI, Shiv. Imunologia Celular e molecular. Tradução de Alessandro dos Santos Farias, et al. 6 ed. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 2008.
CARVALHO, Lucas P. et al. Avaliação da resposta imune celular em pacientes com candidíase recorrente. Revista da Sociedade Brasileira de medicina Tropical. 36(5): 571-576, set-out, 2003.

ORDWAY, Diane J. et al. Aumento da produção de IL-4: Resposta ao Mycobacterium tuberculosis virulento em doentes com tuberculose em estádio avançado. Acta Med Port; 18: 27-36. 2005.

Acesso em: 22/10/2008.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Do recado de lamento

Hoje vi um filme, um pouco triste. Falava de alguém que saiu de casa para trabalhar e nunca mais voltou. Eu estava sozinha, no sofá da sala. Estava quente. E escuro.

De repente eu percebi uma mensagem dentro de mim. Uma mensagem a um coração cansado, frio e humano. Era sobre as pessoas em volta, sobre a facilidade com que elas vêm e vão. Do mais chegado e querido, ao mais distante. Todos vêm e vão.

Enquanto começava a articular essas palavras em minha mente, procurei conectar memórias de gente que vi e vivenciei nos últimos anos. Alguns – correção, a maioria - eu sequer sei onde estão, se estão e com quem estão. Procurei me convencer de que cada um procurou ganhar a vida da maneira que lhes convinha, e por isso não os tenho notícias. Então me foquei num passado mais próximo coligando ao presente.

Desde dois anos atrás tenho o meu grupo “fixo” de amigos. Quanto tempo faz que não vejo todos? Nem me lembro mais. Sequer me recordo a época da última reunião que fizemos. E os amigos da faculdade? Semestres vão passando e o grupo diminuindo. E ficando cada vez mais distante. Dois contam em um canto as últimas do laboratório, dois em outro segredam algo que não sei, mas imagino ser relacionado a Naruto ou a jogos, duas ou três do outro lado contam as últimas novidades da vida, das festas, da família. Não é que eu não esteja inclusa, estou. Ou pelo menos tento arduamente estar. Mas aparentemente nada mais me é incluso. Nenhum assunto me condiz, não tenho nada a acrescentar.

Trazendo pra um mundinho ainda menor, os contatos on-line, quanto tempo faz que “as três maridas” não tem uma conversa daquelas no MSN, discutir relação própria e dos outros, saber por onde andam os conhecidos. Quanto tempo faz que não filosofo com o meu parceiro preferido, trocar experiências da tia (ou irmã, como ele prefere) mais velha aqui. Discutir Freud, o capitalismo, o comunismo e as influências dos meios em que convivemos. Quanto tempo então faz que não converso com o namorado dando a devida atenção?

Abduzi-me propositadamente no mágico mundo das séries, desenhos e filmes algum tempo atrás. Lá eu não preciso esboçar opinião ou me sentir inclusa. Só preciso ver, absorver, julgar o que é válido e tentar desprezar o que não for. Uma prostituição da minha própria mente, ou política “pani et circensis” para quem o preferir. Uso-a [a mente], para absorver o conhecimento e fazer as devidas conexões em troca de divertimento barato e sensação de poder literário.

Por ridículo que possa parecer, o fato de ser humana é inegável. Porém ser gente e se encaixar em algum canto e tarefa árdua. Que preciso tentar com mais afinco evitar. Para começar, talvez re-estabelecer contato com os amigos. Um dia consigo. Se alguém um dia ler, e se sentir na mesma situação: coragem!

sábado, 19 de julho de 2008

Da inovação frustrada

Hoje eu queria variar, chegar aqui (só o fato de postar já é variar, mas continuando a narrativa...) com uma coisa divertida, engraçado ou pelo menos simpática. Uma das minhas idéias iniciais foi: Coisas de universitário, fazendo um mini-flash back do meu encontro de turma de ensino médio dessa semana. Pra isso, pensei em usar o lado cômico da coisa, como marcar encontros de turma em que só vão 25% das pessoas, birita barata, gororobas homéricas, discutir a vida sexual de todos que se lembrar em grupo, comer o bastante para estourar, ter intimidade pra anunciar “ninguém se importa se eu abrir o botão da calça né?”, sair correndo atrás do ônibus, vaquinha pra coca, 6 pessoas de carona em um carro popular 1.0 com uma música agitada tocando e a galera do banco de trás se esmagando a cada curva, panelinhas (ou melhor, galeras) com um nome próprio para chamar de seu, entre muitas e muitas coisas. Mas a criatividade acabou no “muitas e muitas coisas” e eu achei que estava nostálgico demais para um texto bem humorado.

Ai fui pensando, pensando...e comecei a lembrar dos problemas, dos planos para o futuro, de como raios será possível fazer tanta coisa ao mesmo tempo. Ai foi batendo o clássico “medinho” e eu pensei em escrever algo sobre as paranóias que temos quanto ao futuro, do tipo: montar ou não uma empresa própria com os colegas de faculdade, sair ou não do estado para fazer cursos de especialização e mestrado, será que consigo arrumar um emprego que pague minhas contas, caso ou fico vivendo la vida loca, ter filho(s) ou cachorro, ter animais de estimação ou um peixe de aquário, casa ou apartamento, Brasil ou exterior. Mas pensei melhor e conclui que isso só deixaria mais dúvidas.

E cá estou, com duas idéias e nenhuma conclusão.

ps: aceito sugestões!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Do lucro

Qual o lucro obtido em expressar sua opinião, numa conversa, num blog, ou em qualquer lugar? Qual o lucro em escrever um texto de indignação e assinar como “fulano de tal” que é um famoso cronista só para conseguir credibilidade? Qual o motivo de estudar e/ou trabalhar a vida toda? Qual o objetivo de pagar uma das taxas tributárias mais altas do mundo e receber de volta um serviço público de má qualidade?

Quanto vales, ou és por quilo?

Porque se esforçar meses a fio e descansar apenas em um? Porque não celebrar nossas próprias mazelas, se indiretamente as louvamos em pequena escala? Porque ler auto-ajuda, se todos já sabem a resposta?

Batalhem senhoras e senhores, e não precisam trapacear...Não há sentido em gastar mais energias em trabalho e planos de “puxar o tapete” do que usufruindo dos pequenos prazeres possíveis.

E apenas para finalizar...quando foi que mudei o sentido desses texto?

sábado, 21 de junho de 2008

Da piadinha biomédica

Certo médico liga para um determinado laboratório, perguntando de uma cultura de bactérias a qual um paciente havia se submetido. O estagiário estudante de biomedicina atende ao telefone.
- Boa tarde, eu gostaria de falar com o responsável técnico pelo laboratório.
- Ele não está, será que eu posso ajudar?
- Talvez você saiba... Sabe se a cultura de "fulano" cresceu?
- Não, acredito que só amanhã porque pra ter mais segurança costuma esperar pelo menos 24 horas.
- E a bacterioscopia, cresceu?

O estagiário se cala e pensa "cresceu, oh se cresceu! Ta pulando na minha cara já!". Depois ele pensa de novo e decide que é melhor não subestimá-lo:
- Não, também não.
- Ah, certo. Obrigado!
- De nada.
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Para os não biomédicos: cultura é o procedimento de cultivar bactérias de um determinado local em um meio de cultura enrriquecido por nutrientes, espera-se que este local de onde foi colhido esteja contaminado, portanto as bactérias irão se replicar neste meio de cultura. Logo, as bactérias irão "crescer".
Bacterioscopia é o ato de analisar no microscópio essas bactérias cultivadas. Essas bactérias em questão estão fixadas e coradas.

sábado, 31 de maio de 2008

Das reticências

tédio, tédio tédio
raiva de médicos
(alguém com noção do que seja uma patologia se manifeste)

indignação com os remédios
(reclame indústria farmaceutica)

e encruzilhada entre vontade e comodismo
(de novo)

do que adianta escolher, se não posso concretizar?

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Da divagação

Um brinquedo torto, com todas as peças no lugar.

Um estágio de sonho que se tornou coma

Apatia, amnésia, indiferença

Cabeça no lugar, pé no chão

E nenhum suspiro em seus pulmões.

E um calor estranho em seu coração.

Novo dia, levanto sem acordar

Tudo segue, a vida continua para quem a vive

Novo dia de radiação solar invadindo cada célula

Sou só eu, ou o calor virou risco de câncer?

Sou só eu, ou o trânsito se tornou excessivo?

Sou só eu, ou tem população demais

E gente de menos?

Tudo igual, trocam as estações

Exatamente igual ao que estava antes, estático

Estática, ruído, chiado, barulho

Sou só eu, ou tem gritos em todo canto?

Sou só eu, ou tem cilindros demais?

Sou só eu, ou há um volume excessivo de conversas

E nenhum assunto?

Aberraçãozinha estranha

Com quem as pessoas já se acostumaram

Contentamento momentâneo, excitação

Vontades, planos, aspirações

E nenhuma idéia em sua mente.

E nenhuma saída do turbilhão.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Do retorno

A necessidade do método, de forma tão rigorosa, rouba do cientista a criatividade. Assim, o pesquisador se desvencilha da arte.

E o artista, quando submetido a amarras artísticas, contenções do método com que criam, também está fadado à atrofia criativa.

Como pode determinar se é conto, crônica ou poesia o livre direito de escrever até que os dedos não mais suportem, ou os pensamentos cessem? Como pode privar do pesquisador, do estudioso a liberdade da escrita, para atê-lo a dissertações e narrações detalhadamente descritivas?

O detalhamento do método artístico me é uma ofensa que atinge proporções de manipulação. A tal ponto que eu, pobre mortal que não sabe o que escreve, me vi sem idéias. E ainda pior, passei a acreditar que não as poderia ter por um tipo de determinação (ou seria deterioração) natural.

Como isso é possível, o fim da criatividade, a seca da fonte?

Quem disse que o cientista não pode ser um artista livre? Quem disse que o artista não pode ser um estudioso do método?

Preciso de minha chama novamente, precisamos todos sentir algo de verdade. Sentir por si e pelo outros ao mesmo tempo e em igual medida. Sentir que se é parte do todo, e que o todo não tem partes. É necessário sentir-se vivo, ou quando morto, sentir-se fonte de energia heterotrófica a outrem. Heterotrófica, porém sem a necessidade lingüística de ser puramente carbono, talvez possa até ser carbono, mas que seja o carbono do grafite riscando o papel.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Da tríade (ou trindade?)

Mais um dia, mais uma dúvida. Creio ser a hora de deixar de lado o instinto de guarda-costas psicológico para passar a exercer maior indiferença. Se pensar bem, de certa forma, sendo pouco mais negligente (ou melhor dizendo, menos empenhada) em alguns, talvez consiga ampliar o poder de atenção para uma maior gama de pessoas. Quem sabe, talvez, sobre até um pouquinho de tempo e disposição para enfrentar a mim mesma. É, aquela garotinha ignorada tanto tempo...a loira/ruiva/morena que há anos não encontro “em pessoa” para uma conversa franca.

Eu sei, não a deixei completamente de lado, nunca me esqueci dela. Inclusive periodicamente me dedicava a meditar e analisar seus temores, anseios e atitudes. Ok, ok sempre com uma crítica velada, mas sempre a respeitei. Ao menos que eu me lembre. A doutora... É, aquela moça que também habita esse corpo pode mediar a conversa! Pode garantir que nenhuma das duas se exceda, é parte da função dela garantir a integridade física e psicológica, não? Nada mais justo que garantir a sanidade de 2/3 da mente do corpo que ela mesma usa. Será que a guria vai aceitar me encontrar depois de tantos anos afastadas? Será que a parte “ego” vai aceitar falar com a parte “apoiadora” que nunca a ajudou?

Aguardem - senhoras, senhores e senhorita – cenas do próximo capítulo. E me emprestem um livro de psicologia que trate de múltipla personalidade. Quem sabe Freud explique.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Na falta de obra própria, uma obra de um gigante

A PROCURA DA POESIA


Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade